quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Histórias de ponto

Avenida Angélica.
Um senhor me pergunta sobre qual ônibus deve "tomar".
Resposta, dada, senhor sarisfeito; todo simpático continuou a conversar (e eu realmente me admiro com a capacidade que os velhinhos têm de embalarem uma conversa).
Pois aquele senhorzinho com jeitinho de dono de quitanda, me contou, foi um dos primeiros diretores do colégio onde estudei. Coincidentemente mora a 200m da minha casa e passa em frente ao meu portão toda semana.
Incrível! Naquele colégio meu "instinto professora" começou a brotar. Naquele colégio eu ainda vou lecionar e é naquele colégio que ainda vou montar um "Help Vestiba". E um dos responsáveis por isso tudo bem ali, na minha frente, de sandálias, camisa xadrez, mão no bolso...esperando o ônibus para a Rua Maceió.




*Da época em que eu fazia pedagogia.

Ventania

E conforme a menina bordava o resto do mundo mudava.

Fizesse ela o sol, lá estava ele dançando no céu. Bordasse um sorriso, os corações se alegravam; uma flor, outras tantas brotavam.

Passava tardes inteiras sentada na grama com agulhas e linhas de todas as cores, desenhando o rumo do mundo.


Parou de repente.


Cabeça erguida, enterrou a agulha com a linha vermelha na terra fofa;


Levantou;


Agarrou com cada mão uma ponta do pano;


Fechou os olhos; ergueu os braços.


Correu...


O coração que tivesse paciência.

Relicário

Minhas velharias estão ameaçadas de extinção.

Vou continuar guardando as tralhas por aqui, então.

Haja...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Inferno!

Na semana passada meu nick no MSN era Inferno!
Está aí uma palavra de efeito. Não me lembro de tanta gente perguntando o "por quê" em nenhuma outra ocasião.

Inferno porque minha barriga dói;
porque eu tomei um pé;
arrombaram meu portão;
Inferno porque meu computador está quebrado há cinco meses;
minha rúcula estragou, a conta estourou e esqueci da feira.

Mas esse mal-humor é só a tensão mensal.

Inferno!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Cidade

Voltando do aeroporto de Viracopos, em Campinas, vi as torres da Paulista surgindo longe.


Certa vez a Fabi e eu, no colegial, fomos até a casa da então patroa dela. O mês trabalhado ainda não havia sido pago - e se existia alguém no mundo que sabia como enrolar, era a tia Beth.


Depois de um fantástico chá de cadeira, saímos da casa com muito "blá, blá, blá" na cabeça e nenhum dinheiro no bolso.
A Bi (por menos que goste da contração) nervosa, com lágrimas nos olhos e eu ali, no papel de amiga-laranja-do-apoio-moral-sem-nada-a-dizer.


Sentamos na calçada de uma das ruas (que ladeira!) mais altas do bairro, ali, na frente da casa da megera. Já era noite.

...

Silêncio leve.

...

- Sabe o que é aquilo?
- O quê?
- As torres, ali.
- Acho que é a Paulista.
- Que Paulista? Avenida Paulista?
- É...lá é bem alto. Aquela ali é a do Sumaré, acho.
- Tá louca...a Paulista é longe!

E é mesmo. Quase tudo é longe quando se mora em Pirituba. Para mim, sempre em casa, a Av. Paulista era o lugar da manutenção do aparelho, onde eu só chegava depois de uma hora e meia de ônibus. Uma viagem.
Ser tão visível do alto do bairro foi, no mínimo, inesperado.

E bonito.

Não lembro sobre o que falamos depois, mas foi o relógio que nos mandou para casa.

"...The lights are much brighter there
You can forget all your troubles,
forget all your cares..."
(Downtown, Petula Clark - 1964)

Cegueira

Eu perdi meu dente de leite.
Perdi minhas meias, minha boneca da Angélica;
perdi meu dinheiro (indo para o mercado), perdi meu guarda-chuva, minha pipa, meu pião;
perdi minha chave, minha jardineira, minha sandália;
"perdi meu coração no coração de quem perdeu meu coração";
meus brincos, meus chinelos, perdi o show do Zeca Baleiro, o boleto do curso, perdi incontáveis oportunidades de fotos lindas;
perdi a esperança, a fé; perdi a aula, a capacidade de ver formas nas nuvens;
perdi a calma, a paciência, o lugar na fila, o filme de sexta;
perdi a chance de ficar calada.

"SANTA LUZIA PASSOU POR AQUI COM SEU CAVALINHO COMENDO CAPIM"

(em 07.06.2005)

Baú

Me veio à memória agora, entre a pasta de contas à pagar e o monitor:

Eu era bem pequena, porque ainda não alcançava a mesa sem dificuldade. Minha avó passava a roupa ali no canto: camisa, toalha, calça, meia... toda essa roupaiada que uma casa com nove pessoas tem; eu no outro canto da cozinha, observando e comendo pipoca (essas pipocas doces deliciosas, que vêm no saquinho rosa).

Pipoca acaba rápido; fiquei com o saquinho na mão; mão melada, o saquinho vai para o bolso; saquinho amarrotado no bolso suja a roupa, a vó dá bronca, então volta para a mão melada.

Feio aquele saquinho... todo dobrado, amassado. Alisa daqui, alisa dali...

"Cuidado com o ferro quente!"

A velhinha saiu para guardar a roupa e minha lâmpada acendeu. Dá-lhe ferro quente no pobre do saco colorido.

Devo ter ficado sem televisão por uma semana. Acho que no quadro de punições da minha casa esse seria o castigo.

O ferro, coitado, deve ter pedacinho de plástico grudado até hoje.

Coisa de criança, não sei...só lembrei.

(em 28.06.2006)

13:00 às 14:00

Entra, lava as mãos, pega o prato.
Escolhe primeiro a salada: aquela com frutas. Depois vêm os legumes, arroz, feijão, carne.
O que vai ser hoje? Suco de laranja.
Já lhe disseram que suco de laranja não é o melhor pedido, que suco de laranja se toma em casa, no café da manhã. Mas ela gosta. E sem açúcar, por favor!
O som dos garfos nos pratos é irritante e o futebol na televisão passa a ser a tentativa de distração.
Copa do mundo, hora de ser patriota.
Patriotismo...isso é importante. Talvez seja o que falta nas pessoas. Talvez patriotismo unido à não-violência resulte num projeto proveitoso. Meu Deus, o projeto! Caiu no esquecimento. E aquela idéia da apresentação do vestibular para a molecada? Engavetada, esquecida.
Precisa se mexer, isso é urgente. O bife está bom mas tem gente apanhando lá fora.
Gol! Tunísia!
Vai perder o bolão, apostou na Arábia. Ou talvez virem, não entende de futebol.
Celular na mão, mensagens, enviar.
Te adoro, muito mais que ontem.
Agora sim, tudo em paz.
Faca e garfo cruzados, olha envolta, comanda na mão, boa tarde!

Detesto almoçar sozinha.

Só com o tempo

Falar tem sido difícil.

A pergunta: "o que você tem feito nos últimos 17 meses"?

Resposta óbvia martelando ("nada", "nada", nada") e o cérebro se contorcendo para encontrar alguma luta com mil dragões, uma viagem espetacular, uma mudança no cabelo ou uma aventura qualquer. É lógico que eu não tenho feito "nada" nesse tempo todo. Mas foi o "nada" que saiu, numa voz escondida.

Assisti várias peças, shows, filmes; novos amores vieram, ficaram um pouco, acabaram; comi coisas estranhas, voltei a andar de bicicleta, saí da faculdade, retomei minhas auto-lições de inglês, encontrei meu marido dos oitenta anos, aprendi sobre aviões e reatei laços antigos (alguns não tão antigos assim); a palavra "família" tem tido, a cada dia, um novo sentido; cheguei em casa com o sol nascendo, me fantasiei, ganhei uma promoção; baguncei, quebrei o aquário do falecido peixe (foi um acidente), gastei dinheiro com livros, fui ao estádio, vi o Ceni marcar um gol, usei saia, gastei dinheiro com porcarias, comi churrasco na rua, usei rímel, aprendi uma mágica nova (essa é uma das porcarias com as quais gastei dinheiro), usei salto, aprendi o significado de "herege" e joguei minhas agendas dos anos 90 no lixo.

Por que essa dificuldade de dizer as coisas na hora que elas têm que ser ditas?


HEREGE: adj. e s.m. Que ou aquele que professa uma heresia ou doutrina contrária aos dogmas da Igreja. / Pop. Ateu, ímpio, o que não vai à missa nem comunga.

(em 19.06.2006)

"Lembre-se sempre de que sua decisão de ser bem sucedido é mais importante do que qualquer outra coisa."

Recebi essa mensagem hoje - uma afronta no celular, mas discordo.
A decisão de ser bem sucedida é importante, mas bem mais importante, por exemplo, é ter saúde mental para não enlouquecer caso a decisão se torne frustração.
O fato de DECIDIR, em si, é também importante, e buscar a realização mais ainda, mas eu garanto...não mais importante que qualquer outra coisa.

Who will save your soul?

Acordei feia hoje. Auto estima no chão.
Foi por isso que mudei os planos, ouvi Alanis, comprei um sapato e peguei outro ônibus.
Vim para o trabalho cantando uma velharia da Jewel.
Absurdo, mas esqueci de almoçar.
Acho que são esses óculos...fico estranha.

(em 06.07.2006)

Ih, caiu!

Minha vida é fantasticamente comum, mas vez ou outra acontecem algumas coisas inacreditáveis.
Dia desses fui à clínica buscar minha lente de contato (e o fato de que eu sempre perco a lente do olho direito é uma das coisas inacreditáveis que acontecem).
A atendente me pediu para aguardar um instante enquanto ela lavava a lente, conferia, guardava e tudo mais. A moça demorou, demorou, até que voltou à recepção com um sorriso bobo no rosto e perguntou:
-Mônica, como foi que você perdeu sua lente?
Eu, achando que o Dr. Jorge já ia mandar uma bronca via atendente:
-Foi na hora de tirar. Ela pulou.
A moça coça a cabeça com o indicador:
-Então...essa acabou de pular também.

(em 07.07.2006)

"Mesmo em meio à multidão me sinto deserto"

Vou contar, mas aviso que não faz muito sentido; tentarei da melhor forma possível:

Eu estava chorando tanto que já havia se formado um lago, como na estória da Alice. Ainda era dia (bem quente, aliás, e com um sol lindo) mas a lua teve pressa: enorme, gorda, logo ali, em cima das árvores.
Um menino estava dormindo na beira do lago, mas acordou com a água molhando seu tênis e veio logo, perguntando (acho que com medo de se afogar):"Eu sei que não está tudo bem, mas posso ajudar?".
Eu respondi que não. Na verdade ele podia, mas eu não sabia disso. Não importa, ele sabia. "Eu sou sonhador...sabe aquele outro lago? Fui eu que fiz."
Então nós rimos um bocado e cantamos algumas coisas (e o lago começou a dançar) até que o frio chegou perto, com inveja da cantoria. Nós corremos tanto que o deixamos para trás.
A lua já estava bem no meio do céu... hora de ir embora.

Foi um prazer.

"...sem horas e sem dores, que nesse momento um possa se encontrar no outro e o outro no um. Até porque tem horas que a gente se pergunta..."

* Ao Ricardo, por cada risada de ontem.
** Nunca mais como Danette com você.

(em 10.07.2006)
Não conheço mais de Fernanda Young do que a Nata me apresentou em seus textos; mas, se alguma coisa mexeu comigo, foi o que F.Y. escreveu à 'prezada mulherzinha'.

Não vejo como alguém pode ser mais 'mulherzinha' que eu.

Mulherzinha de alma vendida, ridícula, sem amor, estagnada.

Um soco na boca:

"Se continuar assim, nunca vai aparecer aquele cara bacana que você gostaria que aparecesse; para lutar por você, até te conquistar, e destruir essa tua linda silhueta com uma gestação de 15 quilos".

*"Eu perdi meu coração no coração de quem perdeu meu coração"

(em 19.07.2006)

O Chiiiiiiiiiina

O China é um senhor que mora embaixo de um carrinho de apanhar papelão na primeira esquina da rua. Tem os cabelos brancos na altura do queixo e aqueles olhos ao mesmo tempo puxados e arregalados que só os chineses têm. Na boca faltam alguns centroavantes, mas anda com esse sorriso banguela e o inseparável boné pelos Jardins o dia todo, sempre com uma porção de caixas no ombro. O carrinho dele, todos os dias, quando passo por lá, está com uns três metros de altura. Não entendo muito bem de medidas e nem sei onde ele arruma tanto papelão (esse povo daqui é tão sovina), mas o fato é que o carrinho fica bem alto.


Quando o China (ninguém sabe o nome de registro dele) chegou, há algum tempo, tinha uma cadela preta. Hoje tem três. As cachorras têm aquelas tigelas de metal para comida e o China arruma as três bem perto da guia da calçada, uma ao lado da outra.


É cuidadoso: prende as cadelas na coleira, amarra no carrinho, dá banho nas "meninas", limpa a casa e tem as cobertas todas dobradas debaixo do carrinho, do lado do rádio de pilha.


O pessoal daqui diz que o China na verdade é rico, que essa coisa de morar na rua e catar papelão dá dinheiro.


Sovinas e cretinos.

(em 04.08.2006)